O governo Bolsonaro, eleito com a bandeira liberal na economia e ciente, ao menos no discurso, da importância das privatizações para mudar essa realidade, caminha a passos curtos nessa complexa agenda, com múltiplas etapas e requer uma difícil e custosa articulação entre diversos atores para ser efetivamente implementada. São necessárias bem mais do que intenções para consolidar uma agenda forte de privatizações capaz de se traduzir em benefícios reais para a população. E é sob essa perspectiva que o presente estudo, elaborado pela equipe técnica da Bancada do NOVO na Câmara, busca avaliar se as ações do governo Bolsonaro têm de fato se mostrado coerentes e suficientes, entre o discurso e a prática, para o verdadeiro fortalecimento desta agenda.
Linha do tempo do Processo de Privatização
Logo durante o período de transição, a SEST estimou que, em seu conjunto, as empresas estatais tinham patrimônio pouco acima de R$ 500 bilhões. Nos primeiros dias do Governo Bolsonaro, foram postas metas ousadas: a privatização de 17 estatais e a venda de uma série de ativos de subsidiárias, com o objetivo de trazer caixa para o Tesouro. Como veremos a seguir, avançou-se razoavelmente na formação de caixa através da venda de subsidiárias, mas muito pouco nas privatizações das estatais. Destacamos abaixo os principais pontos positivos e negativos do programa.
Pontos Positivos
- Bom mapeamento dos ativos da União: A equipe técnica do Ministério da Economia fez um bom diagnóstico dos ativos da União, inclusive “descobrindo” alguns até então desconhecidos pela população e pelo próprio Governo;
- Manifestações públicas em favor das privatizações – Constantes declarações à imprensa e sinalizações ao mercado, por parte da equipe econômica;
- Planejamento dos estudos do PPI – Transparência e relatórios periódicos;
- Aprovação de alguns marcos importantes junto ao Legislativo – Lei das Telecomunicações, Lei Geral das Agências Reguladoras, Relicitação de Concessões e Marco Legal do Saneamento;
- Avaliações periódicas das empresas estatais – Decreto n° 10.263/2020, que obriga a realização de avaliações quadrienais/bienais de todas as empresas estatais com controle direto;
- Venda de subsidiárias importantes – Transportadora Associada de Gás e a Liquigás;
- Superação de metas financeiras em 2019 – O Governo superou em 32% a meta de arrecadação da pasta através de desestatizações e desinvestimentos.
Pontos Negativos
- Falta de apoiamento político – Ausência de grandes esforços por parte do Presidente e constantes recuos na articulação política junto ao Congresso Nacional;
- Foco inicial nas subsidiárias – A venda de subsidiárias não apresenta, por si só, avanços significativos, uma vez que os recursos obtidos não ingressam no Tesouro, mas apenas no caixa das estatais;
- Incoerências entre declarações públicas – Discurso divergente entre equipe econômica, o presidente e a realidade: 1 Tri como intenção de arrecadação vs avaliação de 500 Bi como real valor dos ativos;
- Atitudes de intervenção direta – Retirada do ar de um anúncio publicitário do Banco do Brasil, por solicitação direta do núcleo presidencial;
- Incentivo a monopólios – Exclusividade da Caixa para o pagamento do auxílio emergencial;
- Sobreposição de competências – Indicativos de sobreposições de funções entre a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (SPPI) e a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercado (SEDDM);
- Descompasso entre as metas e a execução em 2020 – Diante de um cenário de incertezas provocado pela crise do coronavírus é compreensível que o planejamento seja recalibrado, porém, o que se observa até o momento é a lentidão dos processos mesmo nos calendários reajustados.
Situação das Empresas Estatais
Como pode-se observar, o único processo concluído foi o de concessão da LOTEX – que já havia sido incluída no PND pelo governo Temer e, aliás, tinha sido erroneamente classificada como “estatal” na “lista das empresas a serem privatizadas” divulgada pelo governo Bolsonaro. Operada pela Caixa Econômica, a LOTEX foi a leilão para concessão de sua operacionalização – e não para sua venda.
Conclusão
As privatizações realizadas pelo Governo têm se limitado à venda de empresas estatais subsidiárias individualmente – e não de suas holdings. Sendo assim, até o momento não se efetivou a privatização de uma estatal controladora sequer. Dentro da estrutura institucional e da coordenação dos processos de privatizações, aspectos como a similaridade de certas funções institucionais das Secretarias (SPPI e SEDDM) e a insuficiente transparência quanto à definição exata de seus papéis (em especial da SEDDM) sugerem que pode estar ocorrendo sobreposição de funções e ineficiências na articulação entre essas duas estruturas.
Quanto à estratégia que o governo vem utilizando para privatizar – a de vender as subsidiárias das empresas -, verificou-se que esta não representa, por si, um avanço significativo, uma vez que os recursos obtidos não ingressaram no Tesouro, mas apenas no caixa das holdings, que permanecem estatais. Sob um olhar otimista, é possível considerar esse modo de agir apenas como uma etapa inicial, em um plano que, espera-se, seja mais ambicioso. Nesse caso, é necessário analisar criticamente os discursos que cantam as vantagens dessas vendas e monitorar se o governo tem realmente se empenhado para vender as empresas-mãe.
Em resumo, portanto, o diagnóstico do programa de privatizações do governo Bolsonaro mostrou que há evidente incongruência entre discurso e prática e que a forma com que a agenda vem sendo conduzida está longe de ser a mais eficiente possível. É certo que houve alguns avanços pontuais, mas muitos são herança de projetos iniciados ainda no governo Temer ou alcançados graças à SPPI, estrutura de governança também formada naquele governo. No geral, o que se verificou é que, apesar de seus discursos privatizantes, o governo tem caminhado muito pouco em direção ao cumprimento de suas promessas e à real consolidação dessa agenda no Brasil.
Expectativa x Realidade - A quantas anda o Programa de Privatizações do Governo Bolsonaro » (pdf, 234,8 KB)
Diagnóstico do programa de privatizações do governo Bolsonaro » (pdf, 712,9 KB)