Por Paulo Ganime
A regularização fundiária é uma questão urgente no Brasil. Milhares de agricultores familiares não conseguem acessar programas de auxílio nem desenvolver suas propriedades por falta de escritura do terreno. Mais do que isso, a falta de regulamentação traz problemas ainda maiores, como o desmatamento desenfreado, a invasão de terras de comunidades tradicionais e a falta de punição à grilagem.
Muitos se mobilizaram contra a Medida Provisória 910/2019, que tratava da regularização fundiária das ocupações em terras situadas em áreas da União. É fato que, como toda proposta que chega ao Congresso Nacional, havia pontos questionáveis e que foram melhorados. Entre eles, estavam o Marco Temporal de 2014, conflitante com a legislação vigente, e a regularização de terrenos de 15 módulos fiscais, grandes latifúndios.
Com a retirada dessas e outras questões críticas, a MP – transformada no Projeto de Lei de Conversão (PLV) – passou a se concentrar em um ponto crucial: levar dignidade a pequenos produtores em cerca de 600 mil propriedades. Ou seja, não votaríamos a fatídica MP 910, mas um PLV melhorado.
Quem se posicionou contra a proposta se limitou a dizer que esse era o projeto da grilagem. Ora, a bancada do NOVO na Câmara contribuiu para solucionar a questão, apresentando sugestão ao texto, acatada pelo relator, deputado Zé Silva (Solidariedade-MG). Incluímos a criminalização da prática de grilagem para todos os que apresentarem declaração falsa para obter indevidamente a regularização fundiária.
Não podemos permitir brechas para a impunidade de criminosos. O intuito da proposta foi justamente beneficiar pequenos produtores e reduzir práticas ilegais. Pela emenda, quem apresentasse declaração falsa para obter indevidamente regularização fundiária em terras da União, ou do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estaria sujeito à pena de um a cinco anos de prisão e multa.
Nem criminosos nem grandes latifundiários seriam beneficiados. O texto original abria sim essas brechas, mas o final apresentado pelo relator mantinha o Marco Temporal de 2008, respeitando a legislação vigente e desincentivando novas grilagens, ou anistia a criminosos. Somente quem ocupou esses terrenos antes de 2008 poderia ser regularizado. O PLV contemplaria apenas propriedades de até seis módulos fiscais, ou seja, de 5 a 110 hectares.
Era uma chance de beneficiar cooperativas de agricultura familiar. Para conseguir a escritura, o imóvel não poderia ter sido objeto de infração ambiental, ou embargos em razão de desmatamento de áreas de preservação, garantindo maior filtro à concessão do benefício. Muito menos seriam contempladas pessoas que constassem no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condições análogas a de escravo.
É absurda, ainda, a fala de que esses terrenos seriam dados aos agricultores. A regularização não seria gratuita. O processo se daria com cobrança pela terra por parte da União.
Importante ressaltar que o texto excluía terras indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, além florestas públicas e unidades de conservação do processo de concessão de direito real de uso. São falaciosas as manifestações de que esses povos estariam ameaçados.
Caíram por terra as afirmações sobre a autodeclaração para concessão da propriedade. O texto sequer menciona a palavra “autodeclaração” nos normativos (Lei 11.952, MP 910/2019, Decretos 9.309/2018 e 10.165/2019, IN 110/2019). Seria feita ampla checagem das informações por meio de consulta aos sistemas de governo para garantir a segurança dos procedimentos.
Fundamental, também, deixar claro que o PLV não impedia qualquer atuação dos órgãos de controle e fiscalização. É papel deles coibir prática criminosa e averiguar informações. Hoje essa fiscalização é pífia. Os pequenos agricultores se tornariam, então, parceiros no processo, denunciando, garantindo segurança para essas regiões, pois isso seria cuidar de sua própria segurança contra invasores, contra queimadas.
Nem a MP 910, nem o PLV melhorado foram votados. Em comum acordo, os líderes partidários definiram que o relatório seria transformado em um Projeto de Lei a ser apreciado na próxima semana.
A bancada do NOVO tem como objetivo a preservação da Amazônia, o respeito aos direitos das comunidades tradicionais e a valorização dos pequenos produtores. Estamos abertos ao diálogo, visando à construção de um texto adequado, com o devido debate técnico sobre um tema importante para o desenvolvimento sustentável do País.